Gozo 70, 2021
fotografia

 

Mulher cisgênera. Mãe solo. Lésbica. Brasileira. Covid-19 e a pandemia que já interrompeu mais de 300 mil vidas de brasileiras, brasileires e brasileiros. Como elaborar os marcadores que trespassam meu corpo neste território e neste tempo? Como lidar com a solidão, sobrecarga e desejo?

Nesta exposição ergo minha voz, como me ensinou bell hooks, e ouso me inventar artista. Justo agora, quando parece não haver mais ideia capaz de adiar o fim do mundo, como quis nos ensinar Krenak (e não ouvimos, como a colonialidade nos ensinou). Talvez só faça realmente sentido inventar um mundo novo.

A partir de inquietações surgidas em minha pesquisa acadêmica, me coloquei frente a alguns suportes, com minha filha no interior de uma casa-casulo e deixei que os materiais me mostrassem suas limitações, procurando perceber a beleza delas. Tensiono aqui isolamento social, maternagem solo, ancestralidade e futuro, sexualidade, heterossexualidade compulsória, violência obstétrica e a potência da multidão – esse cuírlombo que nos acolhe, como me ensinou tatiana nascimento. Fricciono alguns conceitos, como performatividade de gênero e corpos falantes, como tempo linear e tempo circular, para lançar uma questão: entre aquilo que a norma e a noção burguesa-ocidental de família rezam e o meu corpo, cabem quantas árvores?

mar/21

fotografia dos joelhos para cima de uma mulher sentada em uma mureta bege, a parede ao fundo é da mesma cor. A mulher possui pele clara e está nua, sobre o busco sustenta com as duas mãos um bloco onde está gravada a palavra 'lesbofobia'. Ela tem o rosto virado para cima. Os cabelos escuros e crespos, soltos, caem para trás.


Exercício preparatório para emersão, 2021
fotoperformance

Três fotografias enfileiradas horizontalmente. Na primeira um plano detalhe de parte do rosto de uma mulher de olhos fechados. Sua pele é clara, seus cabelos escuros e crespos na altura do pescoço. Está com parte do pescoço e ombros expostos. Sobre sua boca está uma folha de árvore, verde, escrito em letra de forma 'Mulher' em preto. Na segunda imagem plano detalhe de uma barriga, também de pele clara. Sobre ela, quase tampando o umbigo uma mão de criança de mesmo tom de pele. No pulso da criança também uma folha de árvore, verde, desta vez escrito 'Mãe'. Na terceira uma mão de tom de pele claro, com o dedo indicado e médio esticados estão apoiados sobre uma rachadura escura em uma parede bege. Sobre seu pulso uma folha de árvore, verde, escrito a palavra 'Hétero'.
Fotografia de parte do busto e pescoço de uma pessoa de pele clara sobre um fundo preto. As sombras se acentuam no contorno de seu pescoço e clavícula. Sua cabeça está voltada para cima, mas não podemos ver seu rosto. Seus braços parecem abertos para os lados, mas só vemos seu início próximo ao ombro. No canto esquerdo do peito escrito em tinta preta a palavra 'corpo'

Deslizamento e emersão, 2020-2021
fotoperformance

registro fotográfico de uma tela presa a um chassi sem moldura. Sobre um fundo todo preto uma forma vermelha, elíptica de extremidades alongadas tem na ponta inferior um fio de miçangas vermelhas que ultrapassa o fim da tela.

Grau 2, 2021
acrílica, nanquim e miçangas sobre tela

videoinstalação composta por dois vídeos, organizados verticalmente, unidos por um colar de miçangas. No primeiro se vê uma fotografia estática do busto de uma pessoa adulta de pele branca de seios expostos usando um colar de miçangas com o pingente de uma casa vermelha de telhado preto, também em miçangas. No segundo vídeo a imagem estática do busto de uma criança de pele clara também com o mesmo colar de miçangas e pingente de casa vermelha de telhado preto.

Solo da maternagem solo, 2021
videoinstalação

registro fotográfico de quatro quadros organizados em formato de um tridente. No centro e no ponto mais alto uma tela coberta por miçangas vermelhas, no canto superior da tela se vê uma fotografia frontal 3x4 em preto e branco de uma criança. Em cada lateral  a uma altura média dois quadros também cobertos por miçangas vermelhas e fotografias 3x4 nos cantos superiores externos em preto e branco de uma mulher olhando lateralmente. Abaixo no centro uma tela coberta por miçangas pretas, no canto interior centralizada uma fotografia 3x4 em preto e branco deitada do rosto de uma mulher.

O vôo do pássaro que é sempre retorno, 2021
quadríptico de transferência, acrílica, nanquim e miçanga sobre tela

Fazer arder a norma, 2021
videoperformance

dica: clique para tela cheia

Fotografia em preto e branco da artista Maíra Freitas, mulher de pele clara e cabelos crespos escuro. A foto em preto e branco mostra seu rosto de perfil em uma grande risada, e parte de seu buscto com uma bata clara e ornamentos na gola. Ao fundo grama e árvores de troncos finos.

Maíra Freitas é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Unicamp, na linha de pesquisa História, Teoria e Crítica; mestra em Multimeios pela Unicamp; e graduada em Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra. Atua como
pesquisadora em arte contemporânea, com enfoque em videoperformance e suas relações com gênero, sexualidade e racialidade; é arte-educadora, curadora e artista em processo. Publicou a série de fotoperformance Deslizamento e Emersão no livro Nós
(em) Butler: gênero, política, educação, ética, arte, organizado por Jacob Biziak (Ape’Ku Editora, 2020); foi curadora da exposição Desvio-Devir, de Thiago Goya,
no SESC Sorocaba (2020); e publica em periódicos acadêmicos, coletâneas e na plataforma hipocampo.art.br.

créditos finais:

Artista: Maíra Freitas
Produção e montagem: Paula Monterrey
Design: Fresz
Assistente técnica: Luiza Naves
Fotografia (bio): Gabriella Zanardi
Agradecimentos: Agradeço ao convite 
de Paula Monterrey para expor na Torta, 
espaço onde, dias antes de sua inauguração, 
deixei uma colher com minha cria no colo. 
A maternidade não me permitiu estar 
com vocês na abertura, mas foi ela também 
que me levou até vocês naquela tarde 
de café fumegante, papinha na mesa 
e uma solidão materna latejando no peito. 
Entendo esse convite como uma abertura de 
portas e agradeço o vento que entra por elas.
Agradeço à amizade e à sensibilidade 
de pessoas queridas que se fazem presentes 
na minha vida e acompanharam esse processo: 
Sabrina Terra, Hilda de Paulo, Jane Eyre Piego, 
Élla Vieira e Geovanni Lima. 
Agradeço à Carolina Mantovani por ter dedicado
 seu olhar para a edição das imagens. 
Agradeço a cada uma das pessoas que cedeu 
seu tempo, afeto e corpo para compor 
o vozerio de “Fazer arder a norma”. 
Agradeço pela confiança e pela luta 
compartilhada, andar ao lado de vocês 
é um privilégio.
E agradeço à casa que recebeu a mim e à Lilás,
 no intercurso dessa pandemia, 
com potências e caminhos abertos 
que só um quintal pode guardar. Laroiê!


ficha técnica (do topo):

Gozo 70, 2021
fotografia

Exercício preparatório para emersão, 2021
fotoperformance

Deslizamento e emersão, 2020-2021
fotoperformance

Autorretrato, 2020
transferência sobre moldura e colagem
registro: Carolina Mantovani

Grau 2, 2021
acrílica, nanquim e miçangas sobre tela
registro: Carolina Mantovani

Solo da maternagem solo, 2021
videoinstalação

O vôo do pássaro que é sempre retorno, 2021
quadríptico de transferência, acrílica, nanquim 
e miçanga sobre tela
registro: Carolina Mantovani

Fazer arder a norma, 2021
videoperformance
com colaboração de Ágatha Ursini, 
Alessandra Gomes, Bem Medeiros, 
Carolina Mantovani, Diego Navarro, 
Dodi Leal, Ed Borges, Élla Vieira, 
Fernanda Vieira, Geovanni Lima, 
Hilda de Paulo, Ítalo V. Costa, 
Jacob Biziak, Jo Camilo de Fernandes, 
Juliana Farias, Lana Maciel, 
Leninha Freitas, Lílian Moreira Mendes, 
Magô Tonhon, Marcos Vinícius 
Machado Mendonça, Maria Angélica Lemos, 
Marina M, Rodrigo Costa, 
Rosangela Suppo, Sabrina Terra, 
Sara Wagner York, Tales Frey e Thuany Figueiredo. 

Comments

Má, que coisa mais linda e sensível! Fiquei pensando muitos nas conversas que tivemos quando te entrevistei pro meu TCC, quando vi a primeira fotoperformance.`Pensando aqui sobre a urgência de continuarmos lutando para que a maternidade não seja mais vista como parte da família heterossexual. Parabéns pelo trabalho. Parabéns à Torta também, por estar abrindo espaço para que a exposição de trabalhos de autoria lésbica. Dá forças para continuar quando nos vemos representadas.
Um abraço,
Lana

Lana, querida, fico muito feliz que tenha te vindo à memória aquela nossa conversa, ela foi importante para mim. É uma luta constante para nos desvencilharmos dos cacoetes sobre a ideia de família, né, mas acredito que o processo está iniciado e que não há retorno. Grande abraço, querida!

Poderia dizer uma palavra. Visceral.
Mas será? Usamos visceral para tudo aquilo que nos toca fortemente. Mas e se o fortemente for aquilo que é real e escondemos em nosso cotidiano morno.
Então prefiro pensar em autêntico, verdadeiro e libertador do morno.
Parabéns e um grande e confortável abraço.
Que orgulho de te conhecer!

Fábio, querido!
“Libertador do morno” agora está escrito aqui na minha mesa de trabalho, que beleza de imagem <3
Eu que tenho orgulho de conhecer esse cara que me lembra tanto Itamar: "Cansei de ouvir abobrinhas/
Prefiro escutar salsinhas / Pedir socorro às papoulas / E às carambolas". <3 Grande abraço, meu amigo querido!

Deixe um comentário para Maíra Freitas Cancelar resposta