“Hoje eu durmo de olhos abertos” é a minha tentativa de vencer aquele que me violenta; uma antropologia de artista que nasce dentro da escuridão do meu quarto, das paredes escuras e de pouca luz. A violência que nunca foi minha, é
introjetada mais uma vez, mancha e se espalha pelo corpo. O estresse causado pelo medo, desumaniza o sono das mulheres. Perco o direito ao descanso sereno, tenho pesadelos e traumas passados, que submergem mais uma vez. Continuo sonhando com os mesmos agentes que me violentaram, somados aos mais novos da lista. Sonho com desumanos que guardam catálogos de mulheres que assediaram – sem nenhum pudor, folheiam o catálogo na minha frente. E eu, com medo e com coragem, exponho todas as dores e resistências que habitam em mim. Essa história não é só minha, e, por isso, procuro referências de mulheres para desenvolver esse projeto. As convido para relatarem suas violências, das quais incorporei para dentro desta exposição. Também convidei outras mulheres para ler um poema de minha autoria.
Ana Carolina Haddad






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Dar continuidade. A exposição ‘Hoje Durmo de Olhos Abertos’ segue na composição da programação do Posada 12, trazendo um panorama amplo da cultura, da subjetividade, das lutas e da sensibilidade torta. Uma posição potente-poética desde seu viver e de suas práticas, compartilhadas com outras mulheres, com suas imagens a artista Ana Carolina Haddad nos toma o ar em troca de um mais suspiro.

Ana Carolina Haddad se formou em jornalismo em 2017 na PUC Campinas. Descobriu a fotografia durante a graduação, e não parou mais. Acredita na fotografia como ferramenta política de democratização, acesso à direitos e visibilidade das pessoas, assim como também uma forma íntima de autoconhecimento para fotógrafa e fotografade. Seu trabalho de conclusão de curso resultou no foto-livro “Mandela Resiste”, sobre a Ocupação Nelson Mandela, em que fez uma exposição permanente de lambe na sede dos moradores. Em 2018 fez parte da exposição do ManaLuta no MIS Campinas, com fotografias de mulheres em manifestações reivindicando por seus direitos. Faz parte dos coletivos de fotografia Photograph Her e ILuMinez. Em 2020 fez parte com um trabalho de fotografia e poesia do livro-encontro “Mergulhos” que reúne mais de 60 artistes de todo o Brasil.
créditos finais: Artista: Ana Carolina Haddad Montagem e Produção: Paula Monterrey Narração: Ana Ribeiro, Caroline Macedo, Glória Lopes, Maria Flor, Lara Ribeiro, Nara Leme, Thayo Amaral, Thalyta Martins. Gravação e Edição de Vídeo: Ana Carolina Haddad
transcrição do poema/vídeo:
Por vezes imaculada deste não requerido sangue azul, porém sempre acesa arranquei cacos irreconhecíveis espalhados por toda pele. Lágrimas não de tristeza, raiva é quem molha o canto dos lábios, como chama quando lambe os dedos. caíram gotas d’água nos buracos antes frágeis e vulneráveis, agora quentes hidratam sangue coagulado: carne, lágrimas e estilhaços. Lembrei da cegueira do quarto que me impedia ver esse lado. quebrei-os com as mãos: não eram seus – sempre foram meus. me banhei de dores; não arranco mais o que você tentou tirar de mim. aprendi que palavras frias queimam a pele para não plantarem mais alí. Homens acham que a linha entre o toque e o assédio é tênue porque não têm medo. não sentem medo. dormem serenos com sentidos docemente apagados. não averiguam o que sentem atrás, não temem o breu, a casa vazia, nem o olhar desconfigurado de gente, subtraído de humanidade. a nós, nos resta a vigília constante para não perder de vista o que é toque e o que é sangue.
Sigo tentando ser uma mulher inteira – apesar do medo de mim.
Comments
Discussão necessária, amiga! Apesar de doloroso, gostei muito da iniciativa e infelizmente me identifico com o trabalho. Força pra gente e por mais ressignificações.